Existe sentido em controlar produtos como prensas e matrizes? - Recarga Club

O Brasil é o único país que impõe um controle rígido sobre os equipamentos de recarga, como prensas e matrizes. No entanto, por essa abordagem não ser adotada em nenhum país, levantamos questionamentos sobre sua eficácia e justificativa. A fiscalização de equipamentos de recarga, considerados inofensivos, pode ser atribuída ao desconhecimento das autoridades sobre a real natureza desses dispositivos e, consequentemente, à adoção de medidas inadequadas que prejudicam a fiscalização efetiva das atividades de recarga de munições.

Controle do Exército

Produto Controlado pelo Comando do Exército (PCE) é um termo definido por regulamentação no Decreto 10.030/2019 e se refere a itens que possuem características como poder destrutivo, propriedades que podem causar danos a pessoas ou patrimônio, ou indicações de restrição de uso para garantir a segurança pública. Além disso, também engloba produtos que sejam de interesse militar. Esses produtos são regulamentados e controlados para garantir a segurança e a ordem pública.

Com base no Art. 4º do decreto mencionado, é de responsabilidade do Comando do Exército elaborar a lista dos Produtos Controlados pelo Exército (PCE). Nesse contexto, o Exército exerce uma função atípica, atuando como um órgão anuente responsável pelo controle e monitoramento desses produtos. A lista dos produtos controlados é estabelecida pela Portaria COLOG nº 118/2019, na qual as prensas e as matrizes para recarga de munições são classificadas como "equipamento para recarga de munições e suas matrizes".

A classificação de um produto como Produto Controlado pelo Comando do Exército (PCE) envolve diversos aspectos, como armazenamento, transporte, fabricação, comércio, importação, exportação e utilização. Ao tratar um item como PCE, há a necessidade de interação com vários órgãos governamentais, como a Receita Federal, o Ministério dos Transportes e a Polícia Federal, para aprovação e fiscalização das atividades relacionadas a esses produtos.

Considerando os recursos e o esforço envolvido por diversas entidades reguladoras no processo de controle e fiscalização dos PCEs, é importante que haja uma motivação e uma finalidade clara para classificar um item dessa maneira. Tal classificação deve se fundamentar na necessidade de garantir a segurança e a ordem públicas, e não em aspectos burocráticos ou puramente administrativos.

Portanto, ao analisar a classificação de produtos como PCE, deve-se avaliar cuidadosamente se a restrição e a regulamentação desses itens são justificáveis, dada a implicação no uso de recursos e na interação com diversos órgãos governamentais. A classificação deve ser pautada no equilíbrio entre garantir a segurança e a ordem públicas e evitar o desgaste desnecessário da administração pública e a sobrecarga dos órgãos envolvidos.

Reflexão sobre a natureza dessas ferramentas

As prensas e matrizes (dies) utilizadas no processo de recarga de munições são ferramentas mecânicas que, por si só, não possuem poder destrutivo ou capacidade de causar danos diretamente às pessoas ou ao patrimônio. Elas servem apenas como instrumentos auxiliares na recarga manual de cartuchos de munição e requerem o uso de outros componentes específicos, para formar uma munição completa e funcional.

Com base nessas características físicas das prensas e matrizes, pode-se compreender que esses itens não deveriam ser classificados como PCE no Brasil, uma vez que não apresentam riscos diretos à incolumidade pública ou interesse militar. 

Podemos fazer uma analogia com produtos como coldres de armas, cintos táticos e acessórios como miras e lanternas táticas, que interagem diretamente com as armas de fogo, mas não são considerados PCE. Estes itens auxiliam no uso, transporte ou aprimoramento das armas, mas, por si só, não apresentam nenhum poder destrutivo ou capacidade de causar danos às pessoas ou ao patrimônio.

Portanto, considerando essa analogia, pode-se argumentar que as prensas e matrizes não deveriam ser classificadas como PCE, assim como os coldres e outros acessórios que dependem de armas de fogo para exercer uma função específica, e que não representam perigo por si só. Tal raciocínio baseia-se na ideia de que a legislação e controle devem se concentrar nos elementos com efeitos diretos e potencialmente perigosos, e não em ferramentas e acessórios auxiliares.

De maneira semelhante, as prensas e matrizes (dies) utilizadas no processo de recarga de munições também são ferramentas auxiliares, que dependem dos insumos específicos (como estojos, projéteis, pólvora e espoletas) para a produção de munições funcionais.

Existe um filtro legal para exercer a atividade de recarga 

A discussão sobre o controle dos equipamentos de recarga é relevante no contexto da regulação da atividade de recarga de munições. No entanto, é válido questionar se a restrição ao acesso a esses equipamentos é realmente necessária e eficiente para garantir a segurança e o controle da atividade de recarga.

É importante enfatizar que as ferramentas mecânicas para recarga, como prensas e matrizes, não possuem potencial ofensivo intrínseco e seu uso é restrito à atividade de recarga. Além disso, os insumos críticos para a recarga de munições, tais como espoletas e pólvora, já são controlados rigorosamente pelas autoridades. Desta forma, a ênfase na regulamentação deve ser no controle da atividade em si e dos os insumos como determina a  Lei 10.826/2003.

Para adquiri-los, é necessário ter o Certificado de Registro (CR) com a atividade de atirador desportivo e armas de fogo registradas no calibre correspondente aos insumos que se pretende adquirir para recarregar as munições que o atirador já possuía de forma legal.

É de conhecimento notório o rito para se tornar um atirador desportivo e para comprar uma arma de fogo, processo longo, que já cria uma filtragem para que os indivíduos tenham acesso às munições e, na sequência, aos insumos. Vale lembrar também que a quantidade desses insumos é limitada, devendo o atirador desportivo prestar conta do uso dessas munições recarregadas no clube de tiro ao qual é vinculado, por meio do preenchimento do livro de habitualidade. Anualmente de forma obrigatória, esse registro é apresentado ao Exército, sendo a declaração de habitualidade condição obrigatória para a revalidação do certificado de registro, assim como para a compra de insumos e até cassação do registro por inatividade.

Esses insumos são os componentes cruciais para a fabricação de munições e, sem eles, o processo de recarga não pode ser realizado. Dessa forma, o controle efetivo desses insumos já representa uma barreira significativa para a realização de atividades de recarga ilegais ou irresponsáveis.

Quem ganha com a desclassificação

A desclassificação das prensas e matrizes da lista de produtos controlados traz benefícios tanto para os consumidores quanto para as empresas do setor, gerando um impacto positivo no mercado nacional e mundial desses produtos. Entre os principais ganhos com a desclassificação, estão:

  1. Equidade competitiva: A redução da burocracia proporciona condições mais justas e contribui para um mercado mais dinâmico ao eliminar obstáculos administrativos que encarecem os produtos e prejudicam o seu desenvolvimento.
  2. Estímulo à inovação e tecnologia: Ao tornar o processo de fabricação, comércio e importação menos burocrático, a desclassificação incentiva empresas a investir em pesquisa e desenvolvimento, impulsionando a inovação e aprimorando a tecnologia no setor de recarga de munições.
  3. Melhoria no tempo de resposta para atiradores esportivos: Atualmente, um atirador precisa aguardar em média 6 meses para obter a autorização de compra de equipamentos de recarga. A desclassificação simplificaria o processo e diminuiria o tempo de espera, facilitando a compra e proporcionando uma melhor experiência para o usuário.
  4. Redução no tempo de implantação para fabricantes: O processo burocrático atual exige cerca de 2 anos para que uma fábrica consiga iniciar a produção de prensas e matrizes devido à documentação exigida. A desclassificação simplificaria esse processo e permitiria que novas fábricas começassem a produzir mais rapidamente, incentivando o crescimento do setor.
  5. Desafogamento dos órgãos públicos: O controle excessivo desses produtos gera um aumento na demanda dos órgãos públicos responsáveis pela emissão das autorizações, o que muitas vezes supera a capacidade administrativa dessas entidades. A desclassificação reduziria essa carga, permitindo que os órgãos públicos se concentrem em áreas onde o controle seja realmente necessário e proporcional ao risco potencial.
  6. Redução de custos para atiradores esportivos e empresas: A desclassificação reduziria os custos administrativos e logísticos para atiradores e empresas que atuam no mercado de prensas e matrizes. Consequentemente, os preços desses produtos diminuiriam, beneficiando tanto os consumidores quanto as empresas do setor.

Considerando os pontos mencionados, fica evidente que a desclassificação das prensas e matrizes da lista de produtos controlados proporcionaria benefícios significativos para o mercado e para os atiradores esportivos, estimulando a inovação, a competitividade e a eficiência no setor de recarga de munições.

Estratégias dos outros países

Em muitos países, o foco da regulamentação e fiscalização está nos insumos para a recarga, como espoletas e pólvora, que são componentes essenciais para a fabricação de munições. A estratégia adotada por esses países reconhece que, sem o controle efetivo desses insumos, a atividade de recarga não pode ocorrer de forma indiscriminada e, portanto, não há necessidade de impor restrições adicionais aos equipamentos de recarga.

Desclassificar as ferramentas de recarga não significa perda de controle

É fundamental repensar a necessidade de controlar rigorosamente os equipamentos de recarga. O controle excessivo de equipamentos de recarga no Brasil pode ser resultado do não questionamento sobre o verdadeiro funcionamento desses dispositivos e a atividade de recarga em si. Essa abordagem equivocada pode prejudicar a fiscalização eficiente, uma vez que os órgãos responsáveis podem estar dedicando recursos e tempo à fiscalização de produtos que, por si só, não apresentam riscos à segurança pública. Essa postura desvia o foco das autoridades para questões menos relevantes, quando poderiam concentrar seus esforços na fiscalização dos insumos e no combate às atividades ilegais e irresponsáveis.

Conclusão

Além disso, o controle excessivo dos equipamentos de recarga pode prejudicar o desenvolvimento do tiro esportivo, sendo importante que o Estado atue como um fomentador. A recarga de munições é uma atividade realizada de forma responsável e legal por pessoas habilitadas, podendo trazer benefícios significativos. Entre os benefícios, estão o aumento da arrecadação de impostos, o desenvolvimento de novas tecnologias, a redução de custos para atletas e a proteção ao meio ambiente por meio da reciclagem das munições.

É fundamental repensar a necessidade de controlar rigorosamente os equipamentos de recarga. A argumentação lógica e clara sugere que, uma vez que os insumos críticos para a recarga de munições já são controlados e fiscalizados, o controle dos equipamentos pode ser redundante e pouco eficiente. Concentrar-se na fiscalização dos insumos e na conscientização dos atiradores sobre a importância de seguir as normas e regulamentações pode ser uma abordagem mais adequada e eficaz para garantir a segurança e o controle da atividade de recarga de munições.

Autor: Diogo Machado

Deixe um comentário